De mim para mim mesma

Se pudesse levar um papo de mulher-pra-mulher com a minha versão de 10 anos atrás eu diria o seguinte para ela:

– Desenvolver independência emocional é mais urgente que correr atrás da independência financeira, inverta as prioridades;

– Autoestima vai muito, mas muito além de gostar daquilo que vê no espelho. Ah! Existe uma distância entre ter autoestima e se achar;

– Você vai frustrar as expectativas de muita gente, mas antes eles que você;

– Faça sempre aquilo que te agrada e te interessa, isso não é egoísmo é utilitarismo: alguém pelo menos há de sair satisfeito. Você satisfeita tem mais serventia que reclamando;

– Autoajuda e autoconhecimento não são perda de tempo, vai logo olhar pra dentro e vê se pára de espernear, de fazer mimimi e de botar a culpa nos outros;

– Use seus melhores argumentos, fale com o coração e você não precisará levantar a voz;

– Na fila do pão seja aquela que confia, agradece e perdoa, vai te poupar tempo, saúde e energia;

– Isso que todo mundo chama de “grande conquista” é apenas um diploma universitário, ele não te define e nem será empecilho para você ser o que quiser e fazer o que bem entender da sua vida a qualquer tempo;

– A terceira via existe e você vai ganhar a vida, o respeito e a admiração de pessoas especiais – e não apenas dinheiro – ajudando-as a se conhecerem, a serem felizes e a trilharem caminhos com sentido;

– Não tenha medo de quebrar a cara, o coração ou aquele enfeite bonito. Tudo isso vai acontecer de qualquer jeito e ter medo é um desserviço ao fluxo da vida, let it be;

– Comece a meditar e fazer yoga a partir de A-GO-RA;

– Você terá vergonha de escrever e se expor. Não se leve tão a sério, ninguém levará, vai por mim;

– Beba menos, tome mais água, coma melhor e exercite-se para todo o sempre;

– Deixa de ser muquirana: orgânico não é caro!;

– Competir, comparar-se e disputar espaços com outras mulheres é bobagem, transforme essa ameaça em parceria (…) em 2016 você estará chamando todas elas de migues;

– Você ainda vai morar em muitas casas. O único fator de permanência e imutabilidade é que em todas elas você vai cantar The Cranberries alto no chuveiro e dançará os passinhos do Dirty Dancing sempre que estiver contente;

– “Não há nada de errado em se autodenominar feminista. Eu sou feminista e acho que todas deveríamos ser porque feminismo é outra palavra para igualdade” (Malala Yousafzai)

Então…

– Casar e ter filhos são escolhas e não obrigações, faça-as se sentir amor e vontade, do contrário vai ali ser feliz sozinha mesmo;

– Seu prazer e satisfação estão nas suas mãos e nas de mais ninguém;

– Ficar pra titia é irado e faz bem pra alma;

– A maldade assim como a beleza mora nos olhos de quem vê, vista o que tiver vontade e vá bater cabelo onde bem entender;

– Seu corpo. Então, ele é só seu e ninguém melhor do que você pode dizer o que ele deseja, o que lhe faz bem e o que é insuportável;

– Você ainda vai gostar de carnaval, vai criar fantasias, vai gostar de muita purpurina e isso não quer dizer nada além de que você é foliã de alma, brincalhona de coração e que esse fogo não se apaga jamais;

– Em algum momento vão pedir para que você sorria menos para não chamar a atenção, a partir desse dia sorria mais ainda e se tiver vontade ria muito alto;

– Ter o coração mole em um mundo duro é sinal de coragem e não de fraqueza, pode ser fofa e querida sem medo;

– Você trabalhará com e para homens. Piadinhas, comentários jocosos, sorrisos que constrangem, ser interrompida em reuniões, abraços apertados demais e beijos não solicitados são formas diferentes de assédio e demonstrações explícitas de machismo e misoginia, não precisa ficar quietinha e sorrir amarelo, não. Isso é e sempre será INACEITÁVEL;

– Sair sem sutiã, sem maquiagem e de cabelo molhado pode sim. E isso apenas significa que você está sem sutiã, sem maquiagem e de cabelo molhado;

– Tenha orgulho de ser mulher, seja uma mulher melhor e ame mais as mulheres, cada uma delas, todo santo dia.

E por último, mas não menos importante:

Eu e mais ninguém serei sua bff, a mais fiel companheira, a chapa mais quente, a parça mais divertida, a migue de costas mais largas e a amante mais verdadeira que você conhecerá na vida.

Precisando é só fechar os olhos, respirar fundo e ficar em silêncio. Eu estarei sempre muito aí pra vc.

O ano em que fui amor, da cabeça aos pés

E quando meus filhos me perguntarem o que eu fazia durante a crise política de 2016-2017 vou responder que ouvi muitas vezes Gal, Gil, Caetano e Chico. Gonzaguinha, Taiguara, João Bosco, Elis.

Vou responder que voltei aos livros de história. Mais do que nunca 2016 foi o ano em que aprendi que quando não captamos a lição, ela se repete. E que ser repetente dói.

Vou responder que escolhi não acreditar no que assistia na televisão. Que apenas lia -na diagonal- alguns jornais. Que me encontrava na leitura de blogs, colunas e opiniões. Que a minha rede social preferida era o Twitter. E que curtia os vídeos tremidos e realistas do YouTube.

Vou responder que apesar de ser bem feliz me desdobrando em mil para me firmar no novo caminho profissional que escolhi trilhar, eu me realizava mesmo era escrevendo. Mas naquele tempo, infelizmente, escrevi pouco e com amor invejei a consistência e a consciência de escritores que se sabiam humanos, como Eliane Brum, Leandro Karnal, Antonio Prata e Duvivier. Por algumas vezes eles emprestaram palavras à minha alma.

Vou responder que ria do humor ácido e, porque não, pouco tolerante do Porta dos Fundos. E que me divertia com a cafonice escrachada e elegante do Xico Sá.

Vou contar que naquele ano as melhores baladas foram 0800 que como tentáculos de um polvo se espalharam pelos espaços públicos da cidade que escolhi cuidar. Direi a eles que sim, sempre existiu amor em São Paulo.

Que apesar de não ser um período de arroubos romântico-afetivos, eu me sentia amor da cabeça aos pés. Vou responder que naquele ano comecei a acreditar com todas as fibras do meu ser que o mundo é abundante, e que só não tem para todo mundo porque ilimitado é o senso de retenção; a ganância individual; a inconsciência; a ânsia por poder; o apego às conveniências e ao conforto. Mas que diálogos abertos, abraços apertados, trabalho incansável e olhares de sorriso são capazes de derreter os mais gélidos dos corações e de despertar o lado humano que habita em cada um de nós.

“Não se assuste, pessoa
Se eu lhe disser que a vida é boa
Enquanto eles se batem
Dê um rolê e você vai ouvir
Apenas quem já dizia
Eu não tenho nada
Antes de você ser, eu sou
Eu sou, eu sou, eu sou o amor da cabeça aos pés”
(“Dê um Rolê”.  Moraes Moreira/Galvão)

Provavelmente eles me perguntarão se eu era contra ou a favor do que acontecia. Responderei que entre um e outro acabei escolhendo ouvir meu coração. E ele me dizia para evitar o caminho do medo, da violência, do separatismo, do preconceito, da intolerância e da marginalização das minorias. Dele ouvia que “qualquer maneira de amor vale a pena, qualquer maneira de amor vale amar” – esqueci do Milton…

A mensagem do coração me incentivava a não me conformar, ter coragem e manter abertos os olhos de aceitação- especialmente com relação às regras de um jogo que muitos sangraram para que pudéssemos jogar. Rupturas bruscas são mesmo de partir qualquer coração. O meu queria permanecer íntegro.

Assim, poderei dizer aos meus filhos que apesar das turbulências e instabilidades de 2016, eu estava consciente e em paz.

E que na manhã em que celebrávamos a independência do Brasil meu maior desejo e intenção era que todos os brasileiros – eu, inclusive – pudessem livremente despertar suas consciências e se emancipar de todas as crenças e padrões mentais que nos desconectam e nos afastam uns dos outros.

Eles poderão me perguntar se eu não era sonhadora demais.
Ao que responderei sim, mas que não sonhava sozinha.

*Texto publicado originalmente no meu perfil do Facebook

♔ Essa noite não

Finalmente uma festa grande o bastante para preencher o final de semana inteiro! As mãos só se soltavam para segurar nos copos de aplacar a sede. As bocas se encontraram repetidas vezes, parecia que o único destino existente, em meio a tantas outras bocas, era aquele que conduzia uma à outra. E só pararam de dançar quando os sapatos cansaram. Era hora de ir.

– Você quer subir?

– Essa noite não. Continuar lendo