♔ A ajuda que vem de dentro

“Nada pode perturbar mais do que olhar para fora e aguardar de fora respostas a perguntas a que talvez somente seu sentimento mais íntimo possa responder na hora mais silenciosa.


Com efeito, e em última análise, é precisamente nas coisas mais profundas e importantes que estamos indizivelmente sós, (…).”

(Rainer Maria Rilke, Cartas a um Jovem Poeta)

 

Sempre me cocei ao ouvir o termo autoajuda. Olhava torto para quem me dizia que que o melhor livro que já lera era algum do Paulo Coelho. Sorria com desdém aos que citavam Augusto Cury como argumento de autoridade. Ao ver best sellers espiritualistas, focados em autoconhecimento e desenvolvimento pessoal empilhando-se nas bancadas de destaque das livrarias sentia estar entrando numa versão mais sofisticada da finada Blockbuster e quase podia ouvir barulho de caixas registradoras quando via pessoas folheando este tipo de livros. “Autores que deixam o bem escrever de lado para ganhar dinheiro”. Hereges. “Leitores que deixam de lado literatura de qualidade para perder tempo com essas baboseiras que não levam a lugar algum”. Fracos.

Insensível às necessidades alheias. Insensível às minhas próprias necessidades. Essa máscara de superioridade só escondia uma coisa: meu cinismo. Achava que o intelectualismo sozinho preencheria os lapsos de vazio e de incompreensão que sentia. Identificava-me com personagens introspectivos, como eu, caraminholadores solitários. Através da leitura não me sentia só. Encontrava acolhimento na literatura intimista de Clarice Lispector, Sabino e Virginia Woolf. Mas não sabia digerir minhas próprias angústias e frustrações. Era como se meu desenvolvimento intelectual estivesse num patamar alto, mas meu emocional lá embaixo, acenando.

Apesar de sempre ter me considerado uma pessoa feliz e realizada, afinal era formada, estava empregada e era bem sucedida na profissão que escolhi, algo no meu íntimo me dizia que eu podia ser ainda mais. Meus momentos de tristeza e descontentamento me lembravam de que seria incrível poder abreviá-los, ou diminuí-los. Substituí-los por sentimentos de paz e completude. Só que sozinha eu não conseguia. Fiz análise. Comecei a me conhecer melhor. Passei a conseguir identificar minhas questões, entender de onde elas vinham. Sofri. Deus! Como doeu reconhecer o tanto de coisa triste que sou capaz de carregar dentro de mim. É como vasculhar o armário e se deparar com um vestido mal cortado e de cor duvidosa: “onde raios eu estava com a cabeça quando resolvi por isso pra dentro?!”

A primeira reação foi me julgar, condenar e executar. Meus próprios pensamentos me criticavam, depreciavam. A segunda reação, depois do auto martírio, envolvia uma espécie de indulgência materialista. Eu precisava buscar do lado de fora, o que não encontrava do lado de dentro. Algo como aquela vontade de ir às compras porque você sente que tudo o que está no seu guarda-roupa não lhe cai bem. O problema é das roupas e não do seu corpo. Do espelho e não da sua autoimagem. Vontade de comer para matar aquela fome sei lá de quê. Vontade de cobrar, reclamar dos outros. Vontade de gastar até o que não se tem, porque afinal de contas era pra isso que eu trabalhava. 

Mas a verdade é que esses comportamentos apenas me anestesiavam. Seus efeitos eram analgésicos. O incômodo passava, por alguns meses, dias, horas. Depois voltava. Só que com maior intensidade. E assim eu ia vivendo, achando que estava tudo bem, que era assim mesmo. Até que um dia, numa conversa de perguntas simples fui tocada:

– Você seria capaz de dizer à pessoa que mais ama no mundo o que diz a si mesma?

– Não. Cem mil vezes, não.

– Então, por que você faz isso consigo? Você é capaz de se importar menos consigo do que se importa com os outros? Você sabia que você é a única pessoa com quem vai viver até o fim dos seus dias, todos os dias? 

Eu ouvi o óbvio e aquilo cutucou. Se me dissessem que Platão ou Sócrates faziam essa pergunta aos seus discípulos eu acreditaria. Refletiria a fundo sobre a questão se Nietzsche a colocasse na boca de sua Zaratustra, o livro para todos e para ninguém. Caso me contassem que existe uma tese de um filósofo contemporâneo a respeito da perenidade da presença do self nas questões existencialistas do homem do século XV, ou XIX ou XXI eu acharia interessante. Talvez quisesse ler. Mas não, a questão me fora colocada de uma forma despretensiosa e eu não conseguia ignorá-la. De tão banal, até mesmo uma criança poderia fazer uma brincadeira boba de adivinhação, do tipo “o-que-é-o-que-é qual a única companhia que você terá todos os dias até você morrer?”. A resposta seria a mesma.  

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Acho que a grande verdade é que as questões mais complexas e desbaratadoras da nossa vida são também as mais simples. O simples é constante, atemporal e significativo. Talvez o problema seja nossa dificuldade de valorizar o óbvio. Optar pelo óbvio parece que diminui valor da escolha perante o mundo, torna-a ordinária. Tenho descoberto, na prática, que não. Pelo contrário, ultimamente, quanto menos complicado é algo, mais meu interesse e admiração são despertados. 

Graças a essa conversa, simples, direta, de linguagem fácil, eu tomei consciência de um padrão de comportamento que me acompanhava há anos. E que me fazia sofrer. Por tabela, fazia as pessoas a minha volta sofrerem também. Essa autoconsciência me tornou mais complacente e compreensiva com os outros. Mas, sobretudo, comigo mesma. Descobrir minhas suscetibilidades me fez mais forte, mais corajosa. Passei a me acolher. Descobri que mais pessoas compartilhavam dessa mesma forma de sentir. Eu não estava sozinha. Passei a conversar com amigos sobre isso. Passei essa pergunta e outras perguntas adiante. E conseguia perceber a reação dos meus interlocutores. O que parecia bobo, tocava. Não só a mim. Aos outros também. 

Resolvi, então, ousar um pouco mais, publicar em um perfil online mensagens simples, talvez banais, de otimismo, amor, felicidade, perseverança, resiliência, liberdade e autoconsciência. Encontrei minha forma de compartilhar com quem se interessa aquilo que tenho aprendido. Descobri meu jeito de ser menos solitária em minhas divagações, e assim… ser menos egoísta. Ser mais honesta também melhorou a qualidade das conexões, elevou o padrão das conversas. Não é isso que acontece com os livros de autoajuda e desenvolvimento humano? Perguntas, dicas, aconselhamentos descomplicados e ao alcance de todos, mas que foram compilados por alguém interessado em compartilhar suas descobertas com o mundo?

Uma voz crítica e ranzinza, dentro da minha cabeça, responde-me que sim. Insiste em perturbar-me dizendo que isso é lixo, que já tem um monte de gente fazendo a mesma coisa e que eu não irei a lado nenhum escrevendo esse tipo de baboseiras. Eu já peguei intimidade com essa voz e vez sim, vez não, digo o que penso e, delicada e suavemente, mando-a ficar quietinha. Meu coração silencia. Fico em paz. 

***

Há algumas semanas assisti ao filme Não Pare na Pista, que conta a história de vida do Paulo Coelho. Uma história simples, de alguém normal que quase desistiu, que contou com o apoio de pessoas queridas, mas que perseverou porque acreditou num sonho maior que ele mesmo. Alguém que deu corpo a muitos dos meus rocks favoritos. Alguém que deu voz a um mago que há mais de 25 anos desperta consciências em 21 idiomas ao redor do mundo. O objeto preferido das minhas críticas preconceituosas é hoje motivo de inspiração. Paulo Coelho, é na verdade, mais um que seguiu seu sonho e foi Ali Ser Feliz. Ainda não li o Diário de um Mago, mas ele chegou em casa hoje e prometo publicar minhas impressões aqui muito em breve.

(L.A.M.L.)

2 comentários sobre “♔ A ajuda que vem de dentro

  1. renatazancheta disse:

    Ótima nota sua sobre a “tão” falada autoajuda e eu entendo o que você quer dizer porque quando chegamos ao nível mais alto de nossa busca interior é que vem essas indagações e dependendo do nosso nível de evolução espiritual qualquer autoajuda resolve mas algumas não e outras só na nossa experiência de vida descobriremos.
    Particularmente sou fã do Paulo Coelho e gosto muito de seus livros, principalmente “o diário de um mago” e “o alquimista”.
    Bela frase:
    “Chegamos exatamente onde precisamos chegar, porque a Mão de Deus sempre guia aquele que segue seu caminho com fé.”
    O Diário de Um Mago

    Abraços

  2. Fui ali ser feliz e não volto... disse:

    É, na verdade os livros, filmes, conselhos, terapias… são só instrumentos, eles colaboram, mas sozinhos, não resolvem. No limite, só nós mesmos podemos, de verdade, nos resgatar e nos ajudar. A verdadeira ajuda só pode partir de nós mesmos. Feliz ou infelizmente, não tem fórmula pronta. Temos que experimentar, testar, quebrar a cara…

    Finalmente vou ler Paulo Coelho! Depois conto o que achei! Um beijo!

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