“Nada pode perturbar mais do que olhar para fora e aguardar de fora respostas a perguntas a que talvez somente seu sentimento mais íntimo possa responder na hora mais silenciosa.
Com efeito, e em última análise, é precisamente nas coisas mais profundas e importantes que estamos indizivelmente sós, (…).”(Rainer Maria Rilke, Cartas a um Jovem Poeta)
Sempre me cocei ao ouvir o termo autoajuda. Olhava torto para quem me dizia que que o melhor livro que já lera era algum do Paulo Coelho. Sorria com desdém aos que citavam Augusto Cury como argumento de autoridade. Ao ver best sellers espiritualistas, focados em autoconhecimento e desenvolvimento pessoal empilhando-se nas bancadas de destaque das livrarias sentia estar entrando numa versão mais sofisticada da finada Blockbuster e quase podia ouvir barulho de caixas registradoras quando via pessoas folheando este tipo de livros. “Autores que deixam o bem escrever de lado para ganhar dinheiro”. Hereges. “Leitores que deixam de lado literatura de qualidade para perder tempo com essas baboseiras que não levam a lugar algum”. Fracos.
Insensível às necessidades alheias. Insensível às minhas próprias necessidades. Essa máscara de superioridade só escondia uma coisa: meu cinismo. Achava que o intelectualismo sozinho preencheria os lapsos de vazio e de incompreensão que sentia. Identificava-me com personagens introspectivos, como eu, caraminholadores solitários. Através da leitura não me sentia só. Encontrava acolhimento na literatura intimista de Clarice Lispector, Sabino e Virginia Woolf. Mas não sabia digerir minhas próprias angústias e frustrações. Era como se meu desenvolvimento intelectual estivesse num patamar alto, mas meu emocional lá embaixo, acenando.
Apesar de sempre ter me considerado uma pessoa feliz e realizada, afinal era formada, estava empregada e era bem sucedida na profissão que escolhi, algo no meu íntimo me dizia que eu podia ser ainda mais. Meus momentos de tristeza e descontentamento me lembravam de que seria incrível poder abreviá-los, ou diminuí-los. Substituí-los por sentimentos de paz e completude. Só que sozinha eu não conseguia. Fiz análise. Comecei a me conhecer melhor. Passei a conseguir identificar minhas questões, entender de onde elas vinham. Sofri. Deus! Como doeu reconhecer o tanto de coisa triste que sou capaz de carregar dentro de mim. É como vasculhar o armário e se deparar com um vestido mal cortado e de cor duvidosa: “onde raios eu estava com a cabeça quando resolvi por isso pra dentro?!”
A primeira reação foi me julgar, condenar e executar. Meus próprios pensamentos me criticavam, depreciavam. A segunda reação, depois do auto martírio, envolvia uma espécie de indulgência materialista. Eu precisava buscar do lado de fora, o que não encontrava do lado de dentro. Algo como aquela vontade de ir às compras porque você sente que tudo o que está no seu guarda-roupa não lhe cai bem. O problema é das roupas e não do seu corpo. Do espelho e não da sua autoimagem. Vontade de comer para matar aquela fome sei lá de quê. Vontade de cobrar, reclamar dos outros. Vontade de gastar até o que não se tem, porque afinal de contas era pra isso que eu trabalhava.
Mas a verdade é que esses comportamentos apenas me anestesiavam. Seus efeitos eram analgésicos. O incômodo passava, por alguns meses, dias, horas. Depois voltava. Só que com maior intensidade. E assim eu ia vivendo, achando que estava tudo bem, que era assim mesmo. Até que um dia, numa conversa de perguntas simples fui tocada:
– Você seria capaz de dizer à pessoa que mais ama no mundo o que diz a si mesma?
– Não. Cem mil vezes, não.
– Então, por que você faz isso consigo? Você é capaz de se importar menos consigo do que se importa com os outros? Você sabia que você é a única pessoa com quem vai viver até o fim dos seus dias, todos os dias?
Eu ouvi o óbvio e aquilo cutucou. Se me dissessem que Platão ou Sócrates faziam essa pergunta aos seus discípulos eu acreditaria. Refletiria a fundo sobre a questão se Nietzsche a colocasse na boca de sua Zaratustra, o livro para todos e para ninguém. Caso me contassem que existe uma tese de um filósofo contemporâneo a respeito da perenidade da presença do self nas questões existencialistas do homem do século XV, ou XIX ou XXI eu acharia interessante. Talvez quisesse ler. Mas não, a questão me fora colocada de uma forma despretensiosa e eu não conseguia ignorá-la. De tão banal, até mesmo uma criança poderia fazer uma brincadeira boba de adivinhação, do tipo “o-que-é-o-que-é qual a única companhia que você terá todos os dias até você morrer?”. A resposta seria a mesma.
Acho que a grande verdade é que as questões mais complexas e desbaratadoras da nossa vida são também as mais simples. O simples é constante, atemporal e significativo. Talvez o problema seja nossa dificuldade de valorizar o óbvio. Optar pelo óbvio parece que diminui valor da escolha perante o mundo, torna-a ordinária. Tenho descoberto, na prática, que não. Pelo contrário, ultimamente, quanto menos complicado é algo, mais meu interesse e admiração são despertados.
Graças a essa conversa, simples, direta, de linguagem fácil, eu tomei consciência de um padrão de comportamento que me acompanhava há anos. E que me fazia sofrer. Por tabela, fazia as pessoas a minha volta sofrerem também. Essa autoconsciência me tornou mais complacente e compreensiva com os outros. Mas, sobretudo, comigo mesma. Descobrir minhas suscetibilidades me fez mais forte, mais corajosa. Passei a me acolher. Descobri que mais pessoas compartilhavam dessa mesma forma de sentir. Eu não estava sozinha. Passei a conversar com amigos sobre isso. Passei essa pergunta e outras perguntas adiante. E conseguia perceber a reação dos meus interlocutores. O que parecia bobo, tocava. Não só a mim. Aos outros também.
Resolvi, então, ousar um pouco mais, publicar em um perfil online mensagens simples, talvez banais, de otimismo, amor, felicidade, perseverança, resiliência, liberdade e autoconsciência. Encontrei minha forma de compartilhar com quem se interessa aquilo que tenho aprendido. Descobri meu jeito de ser menos solitária em minhas divagações, e assim… ser menos egoísta. Ser mais honesta também melhorou a qualidade das conexões, elevou o padrão das conversas. Não é isso que acontece com os livros de autoajuda e desenvolvimento humano? Perguntas, dicas, aconselhamentos descomplicados e ao alcance de todos, mas que foram compilados por alguém interessado em compartilhar suas descobertas com o mundo?
Uma voz crítica e ranzinza, dentro da minha cabeça, responde-me que sim. Insiste em perturbar-me dizendo que isso é lixo, que já tem um monte de gente fazendo a mesma coisa e que eu não irei a lado nenhum escrevendo esse tipo de baboseiras. Eu já peguei intimidade com essa voz e vez sim, vez não, digo o que penso e, delicada e suavemente, mando-a ficar quietinha. Meu coração silencia. Fico em paz.
***
Há algumas semanas assisti ao filme Não Pare na Pista, que conta a história de vida do Paulo Coelho. Uma história simples, de alguém normal que quase desistiu, que contou com o apoio de pessoas queridas, mas que perseverou porque acreditou num sonho maior que ele mesmo. Alguém que deu corpo a muitos dos meus rocks favoritos. Alguém que deu voz a um mago que há mais de 25 anos desperta consciências em 21 idiomas ao redor do mundo. O objeto preferido das minhas críticas preconceituosas é hoje motivo de inspiração. Paulo Coelho, é na verdade, mais um que seguiu seu sonho e foi Ali Ser Feliz. Ainda não li o Diário de um Mago, mas ele chegou em casa hoje e prometo publicar minhas impressões aqui muito em breve.
(♔ L.A.M.L.)
Ótima nota sua sobre a “tão” falada autoajuda e eu entendo o que você quer dizer porque quando chegamos ao nível mais alto de nossa busca interior é que vem essas indagações e dependendo do nosso nível de evolução espiritual qualquer autoajuda resolve mas algumas não e outras só na nossa experiência de vida descobriremos.
Particularmente sou fã do Paulo Coelho e gosto muito de seus livros, principalmente “o diário de um mago” e “o alquimista”.
Bela frase:
“Chegamos exatamente onde precisamos chegar, porque a Mão de Deus sempre guia aquele que segue seu caminho com fé.”
O Diário de Um Mago
Abraços
É, na verdade os livros, filmes, conselhos, terapias… são só instrumentos, eles colaboram, mas sozinhos, não resolvem. No limite, só nós mesmos podemos, de verdade, nos resgatar e nos ajudar. A verdadeira ajuda só pode partir de nós mesmos. Feliz ou infelizmente, não tem fórmula pronta. Temos que experimentar, testar, quebrar a cara…
Finalmente vou ler Paulo Coelho! Depois conto o que achei! Um beijo!