O Desafio de Viver (e ser feliz)

“Viver é muito perigoso… Porque aprender a viver é que é o viver mesmo… Travessia perigosa, mas é a da vida.

Sertão que se alteia e abaixa… O mais difícil não é um ser bom e proceder honesto, dificultoso mesmo é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até o rabo da palavra.”

(Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas)

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É engraçado, em algumas conversas, perceber o tom de desafio quando me perguntam: como assim ‘é difícil’? Você já não foi ali ser feliz?

Fui.

Mas só na conjugação verbal. Descobri que ser feliz, na verdade, é um estado de estar indo. É gerúndio e não pretérito perfeito. Ser feliz é processo em  infinita construção. Uma caminhada. Ser feliz é tarefa de uma vida toda porque nunca acaba. Sempre é possível ser um pouquinho mais.

Ser feliz dá trabalho. É escolha a ser feita e reinforçada, diariamente. Dói. De todas as dores de ser feliz, três doem mais doído:

1. Ser Realista

Sonhar bem sonhado depende de ter os pés no chão, senão vira escapismo. Fuga adolescente de filme da sessão da tarde. Felicidade, como qualquer empreitada que se leve a sério, depende de consistência. Não dá para ser feliz de forma independente e sustentável no tempo, sem recursos, sem segurança, sem plano. Ser realista e mensurar riscos é chato e dá a (real) impressão de que existe um loooongo caminho a ser percorrido. Dói, mas ajuda a garantir que não se tenha que retornar com o rabo entre as pernas ao ponto de partida.

Por outro lado, ser realista testa a profundidade das nossas convicções. Quando se caminha no caminho que interessa não dá vontade de sair da rota. Sigo apreciando momentos de alegria, leveza e despreocupação sem por isso querer viver pra sempre neles. O realismo me mantém consciente de que existe um trabalho importante a ser feito. Para isso eu preciso estar saudável, descansada, motivada, desperta. Minha felicidade é problema meu e só eu posso realiza-la. Transferir essa tarefa a algo ou alguém diferente de mim é ilusão.

Supere esse desafio, seja realista.

2. Manter a fé

O pessimista, o reclamão, a vítima sofrem sempre mais. Se tudo dá errado ou dá certo, eles já sofreram pelo menos uma vez mais que o otimista só porque antecipou a dor em pensamento. Sofrer em pensamento pelo que ainda não aconteceu talvez seja a coisa mais non sense, inútil e ineficiente que o cérebro humano é capaz de processar.

Uma coisa até dar certo, dá errado. E dá errado muitas vezes. Por isso é preciso acreditar para além do que a visão é capaz de enxergar. É preciso manter o olhar longe. É preciso saber , no íntimo, que todas coisas carregam consigo o potencial de ser melhores e serão. Todos temos um pouco de São Tomé, só acreditamos vendo. Ver sem crer, dói a dor de termos que provar, para nós e para o mundo, que algo existe mas ainda não se concretizou.

Manter a fé exige que exercitemos um único pensamento. Um pensamento Maior que todos os outros. Com autoridade o suficiente para fazê-los calar sempre que necessário. Ter fé é ter controle interno sobre as estatísticas e previsões catastróficas. É saber sem racionalizar, que embora as coisas não estejam correndo como o esperado, elas são o que são. Mutáveis, transitórias e inconstantes.

Fé é saber com o coração que não importa quão difícil seja, faz parte do processo e vai passar. Seja realista, mas tenha fé!

3. Amar mais

Talvez esse seja o que dói mais. O ser humano é, por natureza, gregário. Depende do outro. Da validação do outro. Toma lá da cá. Fazemos algo e instintivamente esperamos retribuição. Talvez por isso seja tão difícil perdoar. Per donare. Doar a mais. Doar a mais, aos olhos da razão, é colaborar para uma injustiça. Por isso que só perdoa, quem tem amor a mais no coração, quem ama a mais apesar de não ter certeza se será amado em troca.

É um desafio, amar e perdoar. Amar a mais e desatar os nós dos relacionamentos, apenas e simplesmente, porque sim. Penso que esta pode ser a milha extra que leva à iluminação e ao estado de suprafelicidade. Acredito  – com o coração, então não queira saber o porquê – que evoluir e amar sejam os objetivos últimos da nossa existência.

E, desatar todos os nós que estiverem dentro das nossas capacidades contribuem com ambos: exercitamos nossas habilidades, logo, evoluímos; harmonizamos relações, logo somos mais capazes de amar.   Assim, por que raios alongar o caminho com querelas e discussões inúteis? Por que não tomar o atalho?

Às vezes penso que a beleza da vida está em fazer certas coisas sem porquê mesmo. Fazer o bem só porque não fazê-lo é que não faz sentido. Ser generoso e ter compaixão porque desconfiar e esperar retribuição, podem até se justificar aos olhos da razão, mas no mais das vezes não levam a lado algum.

***

A garotinha da Cássia Eller pediu  para que não lhe faltasse malandragem. Criança e sem conhecer a verdade, só peço mesmo a Deus que não me falte vontade para superar esses três desafios. O resto dá pra correr atrás.

Amém.

41 comentários sobre “O Desafio de Viver (e ser feliz)

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