Ela nunca foi capaz de amar por piedade, nem de ser amada como quem pede favor. Amar para ela significava querer dividir o mesmo degrau. Nem mais alto, nem mais baixo. Significava o querer estar na mesma página. Saltar no mesmo andar. Não exigir compensações. Chegava até a ter vontade de se diminuir apenas para que o amor aumentasse. Ceder ao futuro. Significava dar ao outro a metade da cama, da gaveta, a última mordida no sanduíche. Oferecer aquilo que nem chegara conhecer.
Ela, um dia, conheceu ele.
A fama dele não era boa. Ela sabia. ele sabia que Ela sabia. Se os olhos são a janela da alma, a verdade estava lá: estampada na retina deles dois. Mas nada disto mudou a escolha que Ela fez. Sussurrou a si mesma: comigo vai ser diferente. O encantamento beirava à compulsão de um apostador da loteria. Não importava saber de antemão que não daria certo, Ela sonhava com ele como quem preenche as seis dezenas fazendo planos sobre o prêmio que sabia que não iria ganhar.
Ele seduziu por hábito, galanteou por diversão. Surpreendeu-se com o bem estar que a companhia dela propiciava. Optou por ter Ela por perto. Achou que estar perto dela bastava para os dois – perto. Não ao lado. Próximo. Junto, nunca. Perguntava se Ela estava bem, como quem pergunta pelas horas. Olhava para Ela, como quem olha pela janela para saber se vai chover.
Com o tempo dispensou o exercício da delicadeza da qual mal fez uso. Retribuição? Cuidado atento? ele gritava. Ela balançava a cabeça e sorria, vai passar.
Um dia, com esperança, Ela pediu. Disse que queria o mínimo. Algo discreto. Despretensioso até. Não era mesmo dada a arroubos de sentimentalismo. Mal tinha tempo para isso. Explicou que dispensava declarações e rótulos. Não queria palavras. Apenas o silêncio da lealdade. Tocou de leve em sua mão e cochichou que só precisava da quietude da segurança daqueles que têm fé no porvir.
ele sorriu. Abraçaram-se.
Mas a mania de adaptar a realidade às necessidades próprias fez com que ele ficasse indiferente ao desejo dela. Foi tomado pela cegueira inata, agravada pela tendência de se colocar no centro do mundo.
Soltou-se de seu braço e, disse a Ela, que iria na frente. Ela se quisesse poderia segui-lo. Ela, sem entender, procurou seus olhos. ele apenas disse, não lhe prometi nada. ele não entendia que a palavra é um pedaço da boca. A boca dela sangrou com facilidade. Ela ficou doente. ele adoeceu o mundo.
Com indiferença, ele condenou-a à crueldade da reticência, do subentendido. Não assumiu escolhas. Induziu-a ao entendimento. E, com consciência tranqüila, afinal, não gerou culpas, nem incertezas. Não disse sim, nem não.
Ainda com amor, Ela despediu-se dele. Disse a ele que não queria viver longe. Disse que sua intenção nunca fora pedir mais do que ele tinha – no fundo, Ela sabia que ele não tinha nada – mas, que por limitação sua, tampouco poderia dar mais do que dispunha. Beijou-lhe a testa. Deixou-o livre para sentir sua falta. Entregou-lhe o número de telefone, o endereço e um pedaço de seu coração.
E, de todas as coisas que poderiam ter sido juntos, ele optou por ser saudade.
(♔L.A.M.L.)