Faz tempo. Mas são datas como essa que nos fazem parar pra ter saudades. Por isso resolvi escrever-lhe.
Sei que estamos em crise. Há tempos nosso diálogo não flui. Uns dois anos, certo?
Não sei se superou o fato de eu ter te deixado para trás para explorar novos horizontes. Apesar de não acreditar, reafirmo que o problema não estava contigo, mas comigo. Precisava viver outras experiências, até mesmo para poder ter certeza de que você era o melhor para mim.
Foi você mesma, com esse perfil revolucionário, a principal responsável pela minha paixão por mudanças. Ensinou-me a importância de não alimentar preconceitos, de ter a mente aberta a novas idéias, a respeitar outros costumes, a demonstrar tolerância para com o diferente, a apreciar o excêntrico. Hoje, do jeito que só quem olha de fora consegue enxergar, reconheço sua posição de vanguarda, antenada com o futuro, com as novas tendências, e de quem está, definitivamente, muito a frente do seu tempo. É até covardia comparar-lhe com as outras.
Sei que acha astrologia uma bobagem. Mas você só poderia ser mesmo filha de Urano. Você é uma aquariana perfeita. Deve ser por isso que nossos jeitos são compatíveis. Meu signo combina com o seu.
Tenho me dado bem, sabe? A dura poesia concreta de suas esquinas me fez resistente, sua deselegância discreta tornou-me menos suscetível às aparências. Sei que deve duvidar disso, principalmente porque a esta altura já chegou a seus ouvidos que te troquei por outra muito mais bela. Mas pode acreditar. A beleza é fundamental e, ainda assim, você me faz falta.
Depois de tudo o que me ensinou. Dos encontros propiciados. Das pessoas especiais que, por seu intermédio, entraram no meu caminho e não saíram mais. Das oportunidades… Gostaria que você soubesse que nossa separação nada tem com ingratidão. Sei a exata medida da sua importância na construção do que me tornei.
Não tenho certeza se já me perdoou, mas é importante que saiba que apenas segui seu exemplo. Aprendi a amar a liberdade e a independência. Não dei conta, sabe? Desculpe-me. Estava sufocando-me o ar irrespirável, denso de monóxido de carbono, arsênico e esses outros venenos todos, contidos na atmosfera que você me obrigou a respirar.
Não agüentava mais perder o tempo – que não tinha – parada no trânsito para cumprir os sem número de compromissos que a vida non stop, por você imposta, me fazia assumir. Preciso lhe dizer que a rotina – dos dias úteis e inúteis – do mesmo modo, me estava matando. Você bem sabe que o tempo, quando sobrava, era igualmente desperdiçado na espera da fila do cinema, do restaurante, da vaga no estacionamento para entrar em um de seus ambientes artificiais. Não deu pra mim.
Como sei que me quer bem, devo lhe dizer que estou mais feliz. A vida longe de você, não é menos corrida, nem melhor, mas certamente é mais leve. Fique tranqüila, que carrego comigo traços firmes dessa natureza intelectual, dessa racionalidade, e até da frieza que você incutiu em mim com seus exemplos.
Despreocupe-se, pois não me deixo enganar pelo bom papo, nem pelo sorriso fácil, tampouco pela lábia daquela que lhe substituiu. A música e a cultura envolvente que ela me propicia me distraem, entretêm, mas não são suficientes para me fazer perder o foco. Jamais esquecerei do que me ensinou, heavy Sampa!
Mesmo estando tudo muito bem, hoje abateu-me a melancolia. 25 de janeiro é dia de estar contigo: a data em que você faz todos os paulistanos pararem para lhe homenagear. Hoje dava até pra ir ao Pacaembu ver meu Timão ganhar mais um título – ironicamente, após enfrentar uma das equipes de sua rival.
Lembrei-me dos velhos tempos e fiquei saudosa de hábitos cultivados quando dava para nos dedicarmos uma a outra, sem pressa. Seu aniversário tinha que ser motivo para feriado de norte a sul deste país.
Dentre os tantos amigos que me apresentou, hoje, em especial, gostaria de me encontrar com a Consolação, o Oscar, o Rocha Azevedo, e o Luis Antônio. No seu dia, te levaria para assistir a um bom filme no Cine Bombril (ainda existe?). Sairíamos de lá com mil idéias na cabeça, caminharíamos ao longo da Paulista, visitando as livrarias e tomando café. Sim, seu café, sem dúvidas, ainda é imbatível. No caminho encontraríamos amigos. Hoje não é sábado, mas a pedida bem poderia ser pizza. E a boa da noite seria ver o dia acabar de drink na mão, no ponto mais alto da Brigadeiro, com minha vista preferida de suas luzes ao fundo, fazendo um brinde a você.
E, só nos desentenderíamos se você insistisse em me levar pra comemoração coletiva dos seus 458 anos no Vale do Anhangabaú.