Cheguei ao Rio por acidente. Mantive-me por algum tempo, a contragosto, em função das circunstâncias. Mas escolhi permanecer de propósito.
Pouco depois de feita a escolha, chegou o verão, acompanhado de meia dúzia de pessoas queridas, alguns litros de chope, muitas horas de praia, batuques de samba, blocos carnavalescos, três opções de fantasia. Conclui que a minha idade, dava-me o direito de perder algum tempo sem perder a vida inteira.
O sol cedeu, o samba virou bossa, o pano desceu, a purpurina virou pó. E, o encantamento não passou. Passei eu a achar que era por causa da paisagem da cidade que estende seus tentáculos entre a floresta e o mar. Por causa da beleza natural, obscena, que faz com que eu me sinta mais perto de Deus. Mas não era apenas isso, como diz o sábio poeta da Gávea, não se pode amar alguém só porque ela é linda.
O Rio tem qualquer coisa além de beleza, qualquer coisa além de alegria, qualquer coisa além de samba. Passei da fase deslumbramento paisagístico, pra maravilhar-me observando os retratos. O ser do carioca e de cada carioca, em sua individualidade. Retratos dos anônimos e dos amigos, que de um jeitinho, absurdamente carioca, passaram a se multiplicar.
Fui constatando que ser carioca, não é ser espaçoso, mas espontâneo. Não é ser despreocupado, mas ter a tranqüilidade de saber que de cabeça quente nada se resolve. O carioca não é malandro, mas sacudido, safo. Carioquice, tampouco, é sinônimo de vagabundagem. No Rio se trabalha. Muito. A diferença é que quem aqui carrega o piano, também carrega a certeza de que para além do dever existe vida, belos cenários e outras pessoas com idênticos propósitos. Aprendi, no convívio nosso de cada dia, que esses rótulos são atributos do caráter e, convenhamos, mau caratismo brota em qualquer lugar.
Demorou alguns meses, mas aos poucos fui percebendo que esse entrosamento todo só aconteceu, porque no fundo comecei a sentir que tinha vocação pra essa vida que o Rio me convidou a viver. Sigo paulistana, mas com orgulho, não nego que carioquei. E, o saber-me carioca, não requereu esforço. Bastou um par de havaianas, sorriso no rosto e cinco mirreis no bolso. Num dia de sol, o resto vai se ajeitando, vai se encontrando, ao longo do dia, entre um mergulho e outro, um gole e outro, um bate-papo e outro…
Existe um sem número de razões para partir, mas a cada dia invento uma a mais pra ficar. Exatos dois anos se passaram, e ainda tem quem me pergunte o porquê. Explico que além do óbvio recitado pelos poetas inspirados, há um algo a mais. Que só é sentido por quem escolhe viver cariocamente. Desisti de tentar descrever. Fato, que mesmo no país das maravilhas, também se fica triste, se sofre, se frustra. Mas passa. Milagrosamente, até quando tô jururu, cansada, esgotada… sou feliz. Aqui sinto que é mais fácil viver apesar de, né Clarice?
Um ilustre carioca me ensinou que existem enigmas que não valem a pena ser decifrados, para não neutralizar a magia, nem desfazer o encantamento, e, que perder tempo em apreender coisas que não interessam, priva-nos de descobrir coisas interessantes. Deixo, então, como posto está.
No dia de hoje, só tenho razões pra comemorar e agradecer à cidade e a todos cariocas (legítimos ou não) que me acolheram e me fizeram mudar idéia, de rumo e até de fisionomia – só não me fizeram trocar de time de futebol…
Valeu! Por tudo.
(Uma última coisa, e neste ponto, ouso discordar do mestre Tom. Ok, o amor pode ser fundamental, mas cá no Rio, dentre as coisas que só aqui acontecem, bem é possível, ser – bem – feliz sozinha.)