Se lhes perguntassem, qual o segredo para se darem tão bem, certamente responderiam: memória curta.
A convivência tornou-se insuportável. Ele era grosso. Ela, neurótica. Afastaram-se. Apesar de sentirem falta um do outro, já não havia espaço para conversas. Irritavam-se mutuamente. Mesmo quando batia saudades e se procuravam, não demorava muito e já estavam se estranhando de novo. Foi aí que pararam de se falar. Talvez soubessem que essa pequena violência os salvariam de outra muito maior.
Não demorou muito, o destino apresentou um bom pretexto para que seus caminhos se cruzassem novamente. Marcaram de se ver e, apesar das rusgas, quando se reencontram os dois pares de olhos se iluminaram quase que instantaneamente. O sorriso não cabia na boca, transbordava no olhar. Era bom estar perto de novo.
Juntos, não davam certo. Separados, sentiam saudades. O contato teve de voltar a ser frequente.
Sem precisar verbalizar, assumiram – ele na cabeça, ela no coração – o rótulo de apenas bons amigos. Desde o começo, a despeito dos sentimentos e experiências, sempre se apresentavam assim. Então, assim seria. Seria uma amizade convencional, apesar de ele nunca ter sido convencional. Ela tampouco. O pior que poderia acontecer era aquela convivência existir, até o dia de perecer, e cair no chão, como a fruta madura que não é colhida a tempo. Eles certamente sobreviveriam a isso.
– Tem saído muito?
– Não. Quando ultrapasso a barreira de sair de casa, encontro apenas pessoas feias, bobas, sem nada a dizer. São necessários alguns chopes para que elas não me irritem. E você?
– Saio sempre. Conheci pessoas bacanas esses tempos. O problema é que são apenas momentaneamente bacanas, no segundo ou terceiro encontro volto a achar que não passam de pessoas comuns. O engraçado é que tenho a estranha sensação de que eu também devo ser incrível no primeiro contato, mas depois deixo de ser especial… Acho que me descobrem como alguém comum também.
Riram.
– Estava justamente reclamando disso esses dias. Da dificuldade de encontrar indivíduos diferenciados e, de ver os poucos que conheço que são assim, irem embora, ou se afastarem. Então, lembrei-me de certos momentos, certas pessoas… Bateu um alívio: quem tem que ficar, simplesmente, fica.
Sorriram.
– É… Acho que o segredo é manter a fé. Coisas boas acontecerão, mas enquanto não, resista às ruins.
– Não tenho essa mesma confiança. Sabe, tenho sentido falta de conhecer pessoas com cheiro de pessoas e não de perfume. Mas acho que estes espécimes não existem mais. Às vezes tudo me parece tão artificial. Comprado pronto. Cansa-me esse mundo em que todos estão tão sofrivelmente caçando paixões, que se esquecem de esperar pelo prazer que deve vir sozinho… Sem aquela conversa banal, de perguntas ensaiadas e respostas premeditadas. Cansa-me o binômio gente superficial, conversas rasas.
Olharam-se.
– Mas me diga. O que te fez me procurar de novo?
– Meu estado normal tem sido de apatia. Sem grandes tristezas, raras alegrias. Do tipo socorro-não-estou-sentindo-nada, sabe? Mas me aconteceu uma história engraçada, que me fez rir gostoso, como há muito não acontecia. Aí me lembrei, no meio da gargalhada, como eu queria dividir o acontecimento com você, mas que não estávamos mais tão próximos, fiquei triste. E, você? O que fez aceitar minha proposta?
– Minha memória ruim somada ao fato de não agüentar mais gente opaca. Me diga, o que você te faz brilhar desse jeito? O que você tem, que quando chega ofusca todo o resto?
– Eu? Nada… – num tom jocoso disse: É estar perto de você que me deixa assim – e de sorriso de canto de boca completou: Acho que apenas reflito sua luz.
Olhou para ele com a altivez dos que não dão satisfação nem a eles mesmos. E ele olhou para ela como quem olha para uma força contra a qual não podia lutar. Sabia, contudo, que poderia juntar-se a ela e ser grande também.
Daí em diante, perceberam que tinham motivos de sobra para não se esquecerem um do outro, mas que nem tudo precisava ser lembrado – para o bem dos dois.
(♔L.A.M.L.)