♔ A ajuda que vem de dentro

“Nada pode perturbar mais do que olhar para fora e aguardar de fora respostas a perguntas a que talvez somente seu sentimento mais íntimo possa responder na hora mais silenciosa.


Com efeito, e em última análise, é precisamente nas coisas mais profundas e importantes que estamos indizivelmente sós, (…).”

(Rainer Maria Rilke, Cartas a um Jovem Poeta)

 

Sempre me cocei ao ouvir o termo autoajuda. Olhava torto para quem me dizia que que o melhor livro que já lera era algum do Paulo Coelho. Sorria com desdém aos que citavam Augusto Cury como argumento de autoridade. Ao ver best sellers espiritualistas, focados em autoconhecimento e desenvolvimento pessoal empilhando-se nas bancadas de destaque das livrarias sentia estar entrando numa versão mais sofisticada da finada Blockbuster e quase podia ouvir barulho de caixas registradoras quando via pessoas folheando este tipo de livros. “Autores que deixam o bem escrever de lado para ganhar dinheiro”. Hereges. “Leitores que deixam de lado literatura de qualidade para perder tempo com essas baboseiras que não levam a lugar algum”. Fracos. Continuar lendo

♔ O Ser Brincante

“E se depois de tanto mimo

que o atraia, ele se sente

pobre, sem paz e sem arrimo,

alma vazia, amargamente?

Não é feliz.

 

Mas que fazer

para consolo desta criança?

Como em seu íntimo acender

uma fagulha de confiança?

 

Eis que acode meu coração

e oferece, como uma flor,

a doçura desta lição:

dar a meu filho meu amor.

 

Pois o amor resgata a pobreza,

vence o tédio, ilumina o dia

e instaura em nossa natureza

a imperecível alegria”

 

(Carlos Drummond de Andrade, Farewell)

Quando foi a última vez que você brincou? Não, não me refiro a ironias, sarcasmos, gozações ou tiradas de duplo sentido.

Quando foi a última vez que você se percebeu criança outra vez? Não, não me refiro a surtos de imaturidade e nem a xiliques de um ego esperneante que não consegue o que quer.

Quando foi a última vez que você gargalhou com vontade, dançou sem se preocupar se os movimentos estavam harmoniosos, correu por aí só porque teve vontade – sem tênis, sem frequencímetro -, pulou de pura alegria, disse coisas sem sentido pelo simples prazer de se divertir com o som das palavras? Continuar lendo

♔ O Leite Derramado

“Não passam de traidoras as nossas dúvidas, que nos privam, por vezes, do que seria nosso se não tivéssemos o receio de tentá-lo.”

(Medida Por Medida, William Shakespeare)

A incontestável sabedoria contida nos ditos populares sempre me provocou. Se por um lado me irrita até as tampas receber análises e comentários em meia dúzia de palavras quando há um problema a consumir-me a alma; por outro, sinto uma satisfação aguda e muito orgulho do meu poder de síntese quando destrincho um problema e aponto possíveis causas e soluções em poucas palavras. Continuar lendo

♔ O Quê Você Quer Ser Quando Crescer?


“Quando nasci um anjo esbelto,

desses que tocam trombeta, anunciou:

vai carregar bandeira.

Cargo muito pesado pra mulher,

esta espécie ainda envergonhada.

Aceito os subterfúgios que me cabem,

sem precisar mentir.

Não sou tão feia que não possa casar,

acho o Rio de Janeiro uma beleza e

ora sim, ora não, creio em parto sem dor.

Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.

Inauguro linhagens, fundo reinos

— dor não é amargura.

Minha tristeza não tem pedigree,

já a minha vontade de alegria,

sua raiz vai ao meu mil avô.

Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.

Mulher é desdobrável. Eu sou.”

(Com Licença Poética, Adélia Prado) 


Desde muito cedo, quando me deparava com o dever de responder essa pergunta eu fazia cara de inteligente e enchia o peito sem seios para dizer: “advogada”. As questões de justiça sempre me intrigaram. Se contrariada, o isso-não-é-justo em todas as suas variações saia da minha boca como um mantra. Já novinha era famosa na família por ser persistente e conseguir tudo aquilo que queria.  Continuar lendo