O ano em que fui amor, da cabeça aos pés

E quando meus filhos me perguntarem o que eu fazia durante a crise política de 2016-2017 vou responder que ouvi muitas vezes Gal, Gil, Caetano e Chico. Gonzaguinha, Taiguara, João Bosco, Elis.

Vou responder que voltei aos livros de história. Mais do que nunca 2016 foi o ano em que aprendi que quando não captamos a lição, ela se repete. E que ser repetente dói.

Vou responder que escolhi não acreditar no que assistia na televisão. Que apenas lia -na diagonal- alguns jornais. Que me encontrava na leitura de blogs, colunas e opiniões. Que a minha rede social preferida era o Twitter. E que curtia os vídeos tremidos e realistas do YouTube.

Vou responder que apesar de ser bem feliz me desdobrando em mil para me firmar no novo caminho profissional que escolhi trilhar, eu me realizava mesmo era escrevendo. Mas naquele tempo, infelizmente, escrevi pouco e com amor invejei a consistência e a consciência de escritores que se sabiam humanos, como Eliane Brum, Leandro Karnal, Antonio Prata e Duvivier. Por algumas vezes eles emprestaram palavras à minha alma.

Vou responder que ria do humor ácido e, porque não, pouco tolerante do Porta dos Fundos. E que me divertia com a cafonice escrachada e elegante do Xico Sá.

Vou contar que naquele ano as melhores baladas foram 0800 que como tentáculos de um polvo se espalharam pelos espaços públicos da cidade que escolhi cuidar. Direi a eles que sim, sempre existiu amor em São Paulo.

Que apesar de não ser um período de arroubos romântico-afetivos, eu me sentia amor da cabeça aos pés. Vou responder que naquele ano comecei a acreditar com todas as fibras do meu ser que o mundo é abundante, e que só não tem para todo mundo porque ilimitado é o senso de retenção; a ganância individual; a inconsciência; a ânsia por poder; o apego às conveniências e ao conforto. Mas que diálogos abertos, abraços apertados, trabalho incansável e olhares de sorriso são capazes de derreter os mais gélidos dos corações e de despertar o lado humano que habita em cada um de nós.

“Não se assuste, pessoa
Se eu lhe disser que a vida é boa
Enquanto eles se batem
Dê um rolê e você vai ouvir
Apenas quem já dizia
Eu não tenho nada
Antes de você ser, eu sou
Eu sou, eu sou, eu sou o amor da cabeça aos pés”
(“Dê um Rolê”.  Moraes Moreira/Galvão)

Provavelmente eles me perguntarão se eu era contra ou a favor do que acontecia. Responderei que entre um e outro acabei escolhendo ouvir meu coração. E ele me dizia para evitar o caminho do medo, da violência, do separatismo, do preconceito, da intolerância e da marginalização das minorias. Dele ouvia que “qualquer maneira de amor vale a pena, qualquer maneira de amor vale amar” – esqueci do Milton…

A mensagem do coração me incentivava a não me conformar, ter coragem e manter abertos os olhos de aceitação- especialmente com relação às regras de um jogo que muitos sangraram para que pudéssemos jogar. Rupturas bruscas são mesmo de partir qualquer coração. O meu queria permanecer íntegro.

Assim, poderei dizer aos meus filhos que apesar das turbulências e instabilidades de 2016, eu estava consciente e em paz.

E que na manhã em que celebrávamos a independência do Brasil meu maior desejo e intenção era que todos os brasileiros – eu, inclusive – pudessem livremente despertar suas consciências e se emancipar de todas as crenças e padrões mentais que nos desconectam e nos afastam uns dos outros.

Eles poderão me perguntar se eu não era sonhadora demais.
Ao que responderei sim, mas que não sonhava sozinha.

*Texto publicado originalmente no meu perfil do Facebook